quarta-feira, 29 de julho de 2015

Entregue-se


O garoto que mora na rua por causa das drogas contou-me sobre suas cinco irmãs e da saudade que o apertava o peito. O sonho da sua vida é reencontrá-las "mas tem que ser de longe" Disse-me com os olhos lacrimejados. "Onde elas ficam?!" Questionei-o. "Alguns bairros pra lá..." Esticou o braço para a esquerda. A falta de coragem é a maior barreira de todo o ser humano. O garoto viciado em craque recitou uma das poesias mais bonitas que eu pude ouvir, o autor era ele próprio. Contou-me do quão ruim é ser invisível diariamente e pior que isso era causar franzir de testas quando visível. Contou-me do amor pelos cães que ele mesmo cuida e divide o pouco espaço de papelão nesse frio cinza de São Paulo. "Saí de casa muito cedo porque eu queria usar drogas e não queria entristecer minha família". 
Cheguei a pensar o quão contraditório é ele ter coragem de ir embora para que as pessoas que ele ama não sofressem com o seu estado atual e ao mesmo tempo ele não ter coragem nem de ir até o seu bairro para vê-los para matar a saudade. O garoto que dorme com os ratos é uma pessoa de riso frouxo, poeta no olhar e nos dizeres e acima de tudo ama, porque quem ama verdadeiramente o coração parece ficar aberto e escancarado, Sente-se em vibrações. Você seria capaz?!  Naquela noite, ele estava sóbrio e ficamos algum tempo conversando sobre a sua vasta bagagem de leitura. 
O garoto que mora na rua por causa das drogas hoje completa 43 anos de vida... Eu não sei o motivo por ele ter se rendido ao vício, frio e situações precárias... Mas eu sei que aquele Garoto de 43 anos tem de fato, mais histórias do que quando caiu no mundão, mas seus medos continuam os mesmos... Não nos cabe saber o que o levou aquela situação, mas sim, entender que independente dos seus caminhos e escolhas ele é um Garoto que precisa de atenção, respeito e entrega. Um sorriso pode mudar um dia, quantos você entregou hoje?! 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Por todos os cantos


O amor naquela noite foi também palpável. Pude senti-lo queimar em minhas mãos e quanto mais queimava-me mais difícil era de soltá-lo. Eu respirei o amor naquela noite... Pelo nariz e também pela boca. Enquanto ele entrava em meu corpo eu me forçava para não perder a concentração e não aparentar toda a fúria que eu sentia internamente. A fúria mais contraditória que eu já presenciei, ela trazia paz. Respirava-o lento. Tragava-o sem medo de viciar-me. Calmamente degustava-o. Exatamente naquela noite eu pude enxergar o amor e não liguem para a confissão à seguir: Eu também o enxerguei de olhos fechados.
Naquela noite, pela primeira vez, eu queria que o tempo parasse. De fato, ele não parou, mas eu parei naquele momento mesmo após três dias já terem se passado. Eu comi o amor, cada parte dele. E digo mais, eu o comeria todos dias: Almoço e Janta, sem reclamar! O amor estava ali, dentro de mim e dentro dela e os nossos beijos, naquela noite, não foram apenas selar dos lábios, deslizar de línguas e afagos sintonizados... Os nossos beijos foram sussurros calados em silenciosas promessas. O nosso beijo foi um grito de verdade despido de qualquer vaidade e a única maldade era não dividir isso com mais ninguém da sociedade. Foi eterno enquanto durou, não. Aquela noite "durou" porque está sendo eternamente viva dentro de mim. Por todos os enquantos que sou e por todos os encantos que me faz sentir. 

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Encontro metricamente calculado


Pegou carona com o primeiro estranho que parou e por sua sorte estava com os braços esticados não tinha mais que sete minutos. Mochila pesada, consciência nem tanto. "Para onde você está indo?!" Perguntou o estranho de barba escura. "Para o mesmo lugar que você." Respondeu a menina de calças largas. "Mas você não sabe para onde eu vou..." Ele riu. "Eu só quero sair daqui!" Insistiu.
Ela suava. Ele estalava os dedos no ritmo da música "Girls Just Want to have fun" "Você só quer se divertir, não é mesmo?!" Olhou-a ao sorrir enquanto as lágrimas começaram a deslizar pela face da menina... Uma pausa breve e densa tomou conta da situação, tudo o que se podia ouvir era o soluçar doído que se esvaia da garota e a música ao fundo... "Por muitos anos da minha vida tudo o que eu pude pensar era isso, hoje eu só quero ir embora"  True Colors começou a tocar e foi inevitável a garota segurar o comentário "Fanzasso de Cindy Lauper mesmo, não?!" Conseguiu sorrir. O moço olhou o horizonte, o sol ia caindo avermelhado, uma cena de aplaudir... E o garoto como quem queria soluçar, disse baixinho "Minha mãe... Minha mãe tinha todos os CDS e quando a vida a tomou de mim, a única coisa que eu quis levar comigo foi a sua coleção.... Era o que mais a deixava feliz... Sentar na rede da varanda com um vinho barato ao som de Cindy Lauper enquanto meu pai ficava sentado no chão paquerando-a todos os dias como se fosse o primeiro encontro....É assim que eles se amavam... " Quis chorar mas optou por sentir aquele nó apertado... De alguma forma sentia-se vivo e isso por hora, era o suficiente. 

Tristezas diferentes, talvez tenham pesos iguais... Já parou para pensar nisso? Afinal, o que importa não é a situação em foco e sim quem é que está passando. Tem gente que corta o dedo enquanto descasca cenoura, lava a mão e continua. Tem gente que corta o dedo enquanto faz a mesma coisa, chora e deixa tudo pra outrora. Tem gente que passa a vida inteira com medo que algo o faça sentir a mesma dor do qual um dia o feriu tanto. Os dois choravam feito crianças... Ela queria fugir da sua família, enquanto ele queria ter a sua de volta. Situações opostas, dores igualáveis, Cenas cruzadas. Você acredita em acaso? Eu prefiro acreditar em encontro metricamente calculado pelo destino.